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Vício em pornografia II

  • Foto do escritor: Thassio Queiroz
    Thassio Queiroz
  • 7 de out. de 2023
  • 4 min de leitura

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Após a introdução sobre a questão do vício em pornografia (você pode lê-la aqui: Vício em pornografia I), podemos proceder à seguinte questão: por que o vício em pornografia seria um problema, se, em princípio, nem a masturbação nem a pornografia o são? Por diversas razões, que incluem a natureza da relação que se estabelece com essa prática ou esse material, o que eles acarretam na vida da pessoa quando se tornam um vício e como essa pessoa se sente com o consumo excessivo de pornografia. É preciso reiterar que a indústria pornográfica seleciona atores, escolhe roteiros, dirige e edita filmes de forma cuidadosa para que estes sejam o mais vendáveis possível. Assim, o que essa indústria produz não é condizente com a realidade. Porém, para muitas pessoas, o que elas veem na pornografia é tomado como um ideal, e passa a ser o referencial canônico sobre o que é o sexo, como ele deve ser feito e de como as outras pessoas se satisfazem sexualmente. Espera-se que as outras pessoas devam gosta de determinadas práticas ou posições, e que, portanto, você também deva gostar ou fazer, a fim de satisfazê-las. Também é comum uma maior insatisfação sexual e criticidade em relação ao próprio corpo e o daquelas pessoas com que se tem relações sexuais. Em muitas pessoas que consomem pornografia ou se masturbam em excesso, também se observa algum grau de disfunção erétil nas relações sexuais, que comumente não existe quando essa mesma pessoa se masturba. Isso pode favorecer a busca pela masturbação em detrimento do sexo real.


Cabe ressaltar que estamos falando especificamente em vício em pornografia, não no consumo eventual de material pornográfico. E, quando falamos em vício em pornografia, fica evidente a natureza da relação que a pessoa estabelece com esse material: ela o consome de forma compulsiva, muitas vezes, mais do que ela mesma gostaria, e sente dificuldade de ficar sem consumi-lo. Ou seja, trata-se de uma relação de dependência. Não à toa, alguns pesquisadores investigam a aproximação entre o vício em pornografia e outros vícios, inclusive em substâncias (álcool, cigarro, etc.), e encontram evidências que reforçam a hipótese de que, de fato, há um campo comum entre eles, tanto de um ponto de vista neurobiológico quanto de um ponto de vista subjetivo. É necessário investigar o que predispõe cada um ao vício. Afinal, por que alguns se viciam e outros, não? Qual é o pano de fundo sobre o qual o vício se instala? Da mesma forma que com as drogas (lícitas ou ilícitas), acredita-se que a pornografia possa levar a uma dessensibilização aos estímulos, de modo que o consumidor desses conteúdos tenta compensa-la buscando novidade e estímulos cada vez mais intensos. Enquanto algumas pessoas não acham que o seu consumo frequente de pornografia seja um problema, muitas outras sentem culpa e arrependimento após consumirem pornografia ou se masturbarem em excesso. Nestes casos, é importante levar em consideração possíveis fatores morais no julgamento que essas pessoas fazem de si, pois eles podem superdimensionar o problema: a pessoa acha que tem um problema porque o julgamento que ela faz sobre a prática é tão severo que ela acredita que se trata de algo patológico.


Podemos citar, ainda, outros problemas decorrentes do consumo excessivo de pornografia. Um deles é que, por ser um conteúdo consumido passivamente, e não estar relacionado à vida psíquica e às experiências pessoais dos espectadores, a pornografia favorece uma limitação da fantasia, empobrecendo-a, ou tomando seu lugar. Ela oferece cenas que seguem um roteiro estereotipado e previsível, limitando o repertório pessoal e as formas de se satisfazer de quem a consome. Como já mencionado (na primeira parte do artigo), a pornografia tende a privilegiar certos padrões físicos e de práticas sexuais, negligenciando os diferentes corpos e formas de viver a sexualidade, podendo, ainda, elevar o patamar de expectativa sobre os outros e sobre si mesmo. Com isso, o sexo real pode parecer uma experiência mais “exigente” do que necessariamente é. E a falta de contato com o sexo na prática pode contribuir para a manutenção dessa crença. A preferência pela pornografia/masturbação pode funcionar, para algumas pessoas, como uma forma de não enfrentar as vicissitudes de uma experiência sexual compartilhada ou suas questões com o próprio desejo. Pode-se permanecer em um contexto “seguro”, sem os “perigos” da experiência real. Essa seria, portanto, uma via “imatura” de lidar com a sexualidade, onde a pessoa permanece fixada a uma busca por prazeres, sem lidar com a totalidade da experiência real. Se esta for frustrante por algum motivo (por exemplo, se provocar muita ansiedade), pode haver um recuo para a pornografia e a masturbação, sem que necessariamente se estabeleça uma relação de vício com elas. Por fim, um indicativo claro de que o consumo de pornografia está se tornando problemático é quando isso acarreta prejuízos financeiros, ocupacionais e nos relacionamentos.


Tudo isso significa que a pornografia deva ser totalmente abandonada? Não necessariamente. Assim como com o álcool, por exemplo, essa é uma decisão pessoal. A pornografia e a masturbação podem fazer parte do repertório sexual de alguém (e fazem parte do de muitas pessoas). O problema é quando a vida sexual dessa pessoa se resume a isso, principalmente enquanto compulsão ou fuga. Para quem consome pornografia, o importante é não toma-la como um modelo – muito menos o único – de como se faz sexo. Até porque existem diferentes maneiras de se viver o sexo e de se ter prazer e satisfação, e cada um deve descobrir a(s) sua(s). Por isso mesmo, é necessário explorar a própria fantasia e experiências reais, não se valendo apenas de imagens “enlatadas”. Uma das principais questões que se colocam para quem tem vício em pornografia é: por que só a pornografia? Por que não viver o sexo real? Cada pessoa deve se questionar sobre o papel da pornografia em sua vida, e as respostas para isso são individuais. A terapia é o espaço ideal para se aprofundar esses questionamentos, pois possibilita um diálogo aberto, sem julgamentos nem tabus. O terapeuta é qualificado para ouvir e tratar desse tema, ainda que falar disso possa causar algum desconforto no(a) paciente. Se você sofre com esse problema e o mantém em segredo, pode ser a hora de dar um passo na direção da sua superação, procurando um profissional com o qual compartilhar suas angústias em torno dessa questão.

 
 

Thassio Queiroz de Araújo       CRP 01 - 21750        (61) 9633 0368

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