top of page
Buscar

Ode aos fracassados

  • Foto do escritor: Thassio Queiroz
    Thassio Queiroz
  • 25 de jun.
  • 2 min de leitura
ree

Vivemos em uma "sociedade da performance". Nela, todos desfilam seus feitos, títulos e conquistas. E quem não o faz, sente-se compelido a fazê-lo - ou frustrado por não ter as mesmas condecorações para exibir. Não há espaço para os medíocres, os de vida modesta, e muito menos para os "fracassados". Ser fracassado não é opção; é uma sentença de morte social. Uma condenação sumária ao ostracismo. A única opção que existe é: "vencer". E a obrigação: dar provas públicas disso. As redes sociais amplificaram exponencialmente a publicização das conquistas das pessoas "comuns", e, consequentemente, a pressão sobre as pessoas - também comuns - que não têm grandes feitos para mostrar. Em tempos em que é mais fácil parecer do que ser, não é muito difícil simular uma vida "perfeita", ainda mais quando é possível ser um influencer de sucesso sem ter nenhum talento ou conteúdo relevante a oferecer ao mundo - apenas a própria imagem e uma vida editada para despertar no outro o desejo de ter uma vida semelhante.


O problema é que o efeito de tudo isso pode ser devastador. Nenhum ser humano real é bem-sucedido em tudo. O sucesso pode ser, muitas vezes, mais a exceção do que a regra. Mas não é essa a mensagem com a qual somos bombardeados o tempo todo. E sim a de que o sucesso é facilmente alcançável apenas com vontade e o "mindset" correto, e que todos já "chegaram lá", menos nós. Ademais, propaga-se um modelo específico de sucesso, como se houvesse um único caminho que servisse para todos. Gera-se, então, um profundo sentimento de fracasso, frustração e inadequação em quem não tem o que todos parecem ter (parecem - frequentemente não têm de fato). Se o que vemos nas redes sociais, de fato, é real, o que pensar das nossas vidas,quando elas não chegam perto disso?


Nesse sentido, é extremamente pertinente e atual o famoso "Poema em Linha Reta", de Álvaro de Campos, heterônimo do poeta português Fernando Pessoa:


Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


[...]


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,

Nunca foi senão príncipe — todos eles príncipes — na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;

Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!

Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.

Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?


Em um mundo de tantos semideuses (a que preço, aliás?), confessar a própria humanidade - inclusive no fracasso - é um ato de coragem, e também de libertação. Que possamos ser, portanto, "fracassados", se é assim que se chama aqueles que vivem de forma autêntica, que estão em paz com sua falibilidade e sua insuficiência, e não se dobram a ideais irreais apenas para se sentirem pertencentes. Talvez seja esse, afinal, o verdadeiro sucesso...

 
 

Thassio Queiroz de Araújo       CRP 01 - 21750        (61) 9633 0368

bottom of page