"Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem."
- Thassio Queiroz
- 27 de jun. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 8 de dez. de 2024

O título deste post é uma citação de Millôr Fernandes, desenhista e escritor brasileiro. Com essa frase, o autor se refere ao fato de tendermos a pensar que algumas pessoas são melhores do que realmente são (e que, portanto, somos piores que os outros, pois conhecemos bem os nossos “defeitos”). Ao mesmo tempo, também nos mostra que tendemos a não revelar facilmente aspectos da nossa personalidade que são tidos como negativos, indesejáveis ou reprováveis. Via de regra, apenas as pessoas mais próximas é que estão a par das nossas reais dificuldades e do nosso lado mais “obscuro”. De fato, não revelamos tão facilmente aquelas características que não são bem aceitas socialmente. Guardamo-nas para nós mesmos, ou as revelamos apenas para pessoas próximas, o que contribui para que os outros tenham uma impressão equivocada a nosso respeito e vice-versa. O escritor austríaco Peter Handke sintetiza muito bem: "Vivo daquilo que os outros não sabem de mim."
Essa é a essência de um fenômeno que é conhecido na Psicologia Social como “ignorância pluralística”. Esse fenômeno consiste, de forma simplificada, no fato de membros de um grupo (que pode ser uma sociedade, por exemplo) acreditarem que os outros membros têm crenças ou comportamentos diferentes daqueles que realmente têm. Isso acontece graças à existência de normas. Quando todos procuram segui-las e omitem o fato de descumpri-las, quando é o caso, gera-se a impressão de unanimidade em relação à norma. Cada um que a descumpre sente que é o único a faze-lo, pois expor esse descumprimento publicamente causaria constrangimento. Assim, mesmo que a norma, na prática, não seja seguida por muitos, ela ainda parece ser seguida por todos, já que ninguém ousa confessar que a descumpre. E, como ninguém faz isso, os demais membros do grupo não ficam sabendo que não são os únicos a não cumprirem a norma. Imagine, por exemplo, uma igreja. Certamente, muitos membros dessa igreja cometem pecados em suas vidas pessoais. Mas dificilmente alguém confessa isso publicamente. Assim, embora muitos pequem, aqueles que pecam acham que são os únicos. E por isso mesmo sentem-se inibidos a exporem que são pecadores, contribuindo, assim, para a ignorância pluralística dentro desse grupo. Enquanto talvez sejam a regra, cada pecador se sente a exceção.
Em 2010, alguns pesquisadores de universidades dos EUA publicaram o artigo Misery Has More Company Than People Think: Underestimating the Prevalence of Others’ Negative Emotions (O sofrimento tem mais companhia do que as pessoas pensam: subestimando a prevalência das emoções negativas dos outros, em tradução livre). Nesse artigo, os autores defendem que as pessoas podem achar que estão mais sozinhas em seu sofrimento do que realmente estão. Eles nomeiam esse fenômeno “ignorância pluralística emocional”, ou seja, é a ocorrência da ignorância pluralística no âmbito das emoções. Em outras palavras, consiste em ignorar como os outros realmente se sentem por eles não exporem seu estado emocional publicamente devido à crença de que isso poderia ser reprovado pelos outros. Desse modo, muitos acreditam ser os únicos a sofrer, pois todos sofrem “em silêncio”. Por sua vez, sentir-se sozinho em seu sofrimento pode intensifica-lo, visto que gera um sentimento de inadequação. O filósofo Montesquieu já no século XVIII, entendia bem a essência desse princípio, e a expressou na seguinte frase: "Se quiséssemos ser apenas felizes, isso não seria difícil. Mas como queremos ficar mais felizes do que os outros, é difícil, porque achamos os outros mais felizes do que realmente são."
É importante saber que o sofrimento faz parte da vida, e que todas as pessoas eventualmente passam por momentos difíceis, embora nem sempre exponham suas dificuldades publicamente. Isso se deve, em parte, ao princípio, característico da nossa cultura, de que devemos ser felizes o tempo todo, e que o sofrimento é um sinal de fracasso (para saber mais sobre esse assunto, leia o artigo “Precisamos estar sempre felizes?” neste blog). Estaremos sós – isso, sim – se guardarmos nosso sofrimento para nós mesmos. É fundamental compartilha-lo com as pessoas em quem confiamos e, caso se faça necessário, com um profissional qualificado.