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Da dificuldade de dizer "não" e impor limites.

  • Foto do escritor: Thassio Queiroz
    Thassio Queiroz
  • 18 de jul. de 2023
  • 4 min de leitura

Atualizado: 28 de out. de 2023



Uma das queixas mais comuns das pessoas que procuram terapia ou análise está relacionada à dificuldade de dizer “não” e de impor limites. O que significa, em outras palavras, uma dificuldade de frustrar o outro. Para alguns, isso pode ser tão desconfortável que eles preferem se submeter a situações de injustiça e até de abuso para não terem que confrontar uma outra pessoa, ainda que esta esteja claramente errada. Preferem tomar para si, repetidas vezes, todo o prejuízo de uma situação a ter que intimar o outro a assumir suas responsabilidades. Em muitos casos, essa dificuldade tem a ver com uma incapacidade de perceber injustiças, ou também de confiar no próprio juízo sobre determinadas situações. Isso, naturalmente, resulta em um acúmulo de insatisfações, podendo chegar a um ponto de insustentabilidade, e é só então que muitos procuram ajuda: quando percebem que o custo de não desagradar ao outro está sendo alto demais.


Essa insatisfação é bastante positiva. Sem ela, talvez algumas pessoas nunca decidissem romper com esse ciclo onde elas sempre saem perdendo. E, se alguém está perdendo, provavelmente existe alguém que está ganhando. Mas o que alguém poderia ganhar com isso? Diversas vantagens, inclusive a mesma que leva muitas pessoas que não conseguirem dizer “não”: não ter que entrar em conflito com o outro. Lidar com pessoas “mansas”, que não darão trabalho e sempre concordarão com suas solicitações, até quando são injustas, é uma grande vantagem para quem lida com aqueles que não impõem limites. Tanto que esses dois tipos comumente formam “pares”, já que há uma complementaridade entre eles. Ela acaba quando aquele que não sabia colocar limites começa a impô-los.


Há uma frase cujo autor é desconhecido que diz: “Só se incomoda com seus limites quem se beneficiava da falta deles.” E, sim: colocar limites gera reações, resistências, e até revolta. Expõe o conflito que a falta de limites tanto se empenhou em manter oculto. Mas permite uma relação mais autêntica, e mostra que a ausência de limites era uma falsa solução: a fim de se evitar o conflito, paga-se o preço em uma outra moeda. Por exemplo, com renúncias desnecessárias. É frequente se dizer que uma pessoa se tornou chata ou difícil de lidar depois que começou a fazer terapia, e isso, via de regra, não é ruim. Pelo contrário, é um ótimo sinal: o fato de que essa pessoa está começando a impor limites está incomodando quem estava acostumado a conseguir tudo dessa pessoa sem dificuldades (e sem se importar com os prejuízos que causava a ela).


A dificuldade de dizer “não” e impor limites está frequentemente associada à ideia de que não se está na condição de exigir algo do outro, mesmo quando se trata de uma exigência legítima. As pessoas com essa dificuldade costumam se sentir egoístas. Preferem que o outro sempre esteja satisfeito, ainda que isso lhes custe uma constante insatisfação. Sentem-se egoístas por pensarem em si mesmas, como se não fossem dignas do mesmo respeito e consideração que elas tanto se preocupam em oferecer aos outros. Confundem o respeito por si mesmas com egoísmo. Em outras palavras, exigir respeito seria um ato de egoísmo, não de justiça ou igualdade. Esse princípio acaba por legitimar a relação assimétrica e injusta entre essas pessoas e as que tiram proveito delas. Se exigir ser respeitado é ser egoísta, então não parece haver nada de errado com os desrespeitos camuflados a que elas se submetem repetidas vezes.


Fica fácil entender por que limites podem ser difíceis tanto para quem os impõe quanto para quem os recebe. Eles perturbam um pacto que trazia benefícios para os dois lados – mas muito mais prejuízos do que benefícios para um deles. E isso pode abalar o pilar que sustenta muitas relações, que podem acabar ruindo completamente. Há uma outra frase, de autoria também desconhecida, que diz: “Quando você escolhe a paz, ela vem com muitas despedidas.” O psicólogo Ramiro Catelan expressa a mesma ideia com outras palavras: “É preciso queimar pontes para abrir novos caminhos. Viver uma vida congruente com nossos valores, com aquilo que realmente importa, custa caro, muito caro. O preço de uma vida valiosa é um incêndio.” Assim, aproximamo-nos da inevitável conclusão: impor limites, dizer “não”, implica se abrir para a desagradável possibilidade de perder. Perder amizades, relações... pessoas. Mas essa não é uma perda necessariamente ruim. Será que aquilo que alguém perde quando impõe limites (ou seja, quando se coloca em um lugar de dignidade perante o outro) era realmente uma amizade? Ou isso apenas revela as falsas amizades que existiam, e que não toleram que uma das partes exija respeito na relação? Colocar limites é pôr as relações à prova, e estar preparado para a possibilidade de que algumas delas não resistam a isso.


Um último ponto merece ser considerado. Se, para algumas pessoas, é difícil dizer “não”, também há aquelas para quem é difícil ouvir um “não”. E isso é igualmente problemático, pois todos nós nos deparamos com frustrações em vários momentos da vida. Frustrações devem ser esperadas como acontecimentos naturais. Portanto, se aquele que não sabe dizer “não” precisa entender os seus porquês, o que não sabe ouvir um “não” precisa questionar suas expectativas: seria razoável esperar ser poupado de frustrações, de “nãos”, quando isso faz parte da vida de qualquer pessoa? Cabe a cada um lidar com esse fato. E, para que alguns não precisem lidar com isso, alguns outros acabam bancando a ilusão em que aqueles se mantêm – à custa de si mesmos. Com medo de perder algumas relações, muitos não sabem que já estão perdendo algo, talvez, ainda mais valioso.


 
 

Thassio Queiroz de Araújo       CRP 01 - 21750        (61) 9633 0368

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