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A solidão do homem gay

  • Foto do escritor: Thassio Queiroz
    Thassio Queiroz
  • 13 de out. de 2023
  • 6 min de leitura

Atualizado: 7 de jan. de 2024



Vivemos em tempos em que a solidão é um problema global. Há países onde existem até “Ministérios da Solidão”, que buscam gerenciar essa que é uma questão de saúde pública. De fato, há pesquisas que mostram a associação entre a solidão e diversos problemas de saúde (não apenas mental). Porém, há grupos para os quais a solidão é um problema ainda mais sério. Dentre esses grupos, está a população LGBTQIA+. Este artigo faz um recorte dessa população e discute especificamente a solidão dos homens gays, visto que essa é uma queixa frequente no atendimento a esse público. Quando se trata de homens gays que são trans, o problema da solidão pode ser ainda pior.


Somos seres sociais. Dependemos de outros seres humanos durante muitos anos para sobrevivermos, e até mesmo para nos tornarmos plenamente humanos. Muito da nossa vida é determinado pelo simples fato de “o outro” existir, inclusive a forma como vemos a nós mesmos. A vida em comunidade é uma necessidade. Ansiamos, em maior ou menor grau, por contato social e por pertencimento. Para a população LGBTQIA+, a socialização costuma ser um processo especialmente difícil e traumático. E, quanto mais antiga a geração, pior o problema. O preconceito, a rejeição, e até mesmo a violência (não raro da própria família) demonstram que ser LGBTQIA+ é uma condição potencialmente perigosa em nossa sociedade (e em muitas outras). Diante de um mundo tão hostil, essas pessoas, via de regra, já crescem mais sozinhas – seja por escolha, seja por uma imposição.


Felizmente, há uma tendência de diminuição do preconceito e maior integração desse grupo na sociedade, embora também haja um fortalecimento concomitante do conservadorismo em alguns segmentos sociais. Nos grandes centros urbanos, pelo menos, a população LGBTQIA+ encontra espaços onde pode vivenciar um bom grau de liberdade. Todavia, mesmo nesses contextos, ainda há um forte sentimento de solidão por parte dessas pessoas. O ponto mais preocupante é que esse sentimento pode não estar ligado (apenas) à sociedade em geral, mas à própria comunidade LGBTQIA+. Ou seja, essas pessoas se sentem sós dentro da própria comunidade – que seria onde, supostamente, deveriam encontrar acolhimento, segurança e senso de pertencimento.


No caso dos homens gays, existe um alto grau de exigência dentro da comunidade: um padrão de beleza rigoroso, juventude, comportamento másculo, sucesso profissional, status, poder aquisitivo acima da média, alto padrão de consumo, bom desempenho sexual... Esses são alguns dos itens indispensáveis para se ser aceito nessa comunidade. O valor de cada pessoa está associado ao quanto ela atende a esses requisitos, com destaque para o poder de atração sexual. É desnecessário dizer que, se esses critérios não abrangem a maioria, eles produzem uma multidão de excluídos. Estar fora dos padrões vigentes na comunidade, portanto, é um primeiro fator de rejeição por pares. O ingresso na comunidade de homens gays pode ser bastante frustrante, pois se espera “sair” de uma sociedade excludente para entrar em uma comunidade acolhedora, mas o que se encontra, muitas vezes, é uma comunidade ainda mais excludente e cruel. A rejeição não se dá mais por se ser gay, mas por não se encaixar no padrão físico, de poder aquisitivo, etc. Portanto, ao invés de ser um fator de proteção, a comunidade se torna mais um estressor. E ser rejeitado pelos próprios pares tem consequências mais nocivas do que ser rejeitado por outros membros da sociedade. Afinal, é na própria comunidade que estão as maiores possibilidades de se encontrar amizade e relações amorosas e sexuais.


Um outro fator frequentemente apontado como ligado à sensação de solidão é a preferência, nesse meio, por encontros e sexo casuais, em detrimento de relações afetivas profundas (monogâmicas ou não). Muitas destas relações, quando acontecem, se desfazem em um tempo relativamente curto. As frequentes desilusões, frustrações e falta de compromisso dos parceiros podem levar algumas pessoas a desistirem de relações amorosas e viverem apenas relações casuais. Portanto, muitos desses homens desejam ter um relacionamento, mas estão cansados de fracassos, de rejeições, de sofrimento ou mesmo da procura, que raramente resulta em alguma coisa. Seja pelos padrões, seja pelos insucessos amorosos, ser um homem gay pode ser uma experiência desgastante e frustrante. Mesmo quem procura apenas relações casuais - o que, via de regra, se dá por meio de aplicativos - se depara com frustrações. Apesar da aparente facilidade em conectar pessoas, os aplicativos de encontros têm se revelado como amplificadores dos preconceitos da comunidade gay, ao mesmo tempo em que se tornaram o principal meio de interação entre os membros dessa comunidade. Lá, a rejeição pode ser ainda mais impiedosa, devido ao seu formato de interação (é como um “cardápio” onde o usuário é quem escolhe o que quer "consumir", o que “coisifica” o outro e a si mesmo), à falta de comprometimento, ao anonimato e ao fato de a interação ser virtual, o que facilita que se diga o que se quiser, sem precisar lidar com a reação da outra pessoa. O menor incômodo pode ser respondido com um bloqueio, que encerra o contato sem a necessidade de dar satisfações. Soma-se a isso o cansaço com as inúmeras tentativas frustradas e as rejeições sofridas, bem como com o ghosting. Os aplicativos (e isso vale para os “de pegação” e os “de namoro”) criam a ilusão de que há infinitas opções a serem escolhidas. Sempre pode haver alguém melhor disponível a seguir; portanto, o usuário pode se dar o luxo de manter-se escolhendo indefinidamente, até que encontre (ou não) aquilo que realmente busca. A eterna escolha resulta em muitas pessoas procurando, mas poucas se encontrando.


Alguns dados sugerem uma relação entre a solidão na comunidade gay e compulsões, como por drogas e sexo. Estes são, talvez, os principais recursos buscados por homens gays para aplacar algum tipo de insatisfação. Não são incomuns os relatos de consumo ininterrupto de drogas que pode se prolongar por dias, em baladas e “afters”. Também não é raro ouvir sobre pessoas que procuram por um novo parceiro imediatamente depois de uma relação sexual casual com alguém. É como se as drogas, as festas e o sexo não saciassem aquilo que se esperava que eles satisfizessem.


Não podemos deixar de mencionar um outro fator que contribui para a sensação de solidão. Existem pessoas que (em parte pela própria história de rejeição) tendem a se afastar (consciente ou inconscientemente) de outras pessoas, ou contribuir para que as relações não prosperem. Por esse motivo, é sempre importante entender como se dá a queixa de solidão em cada caso em um processo de psicoterapia ou análise. Nem mesmo um relacionamento amoroso é uma solução garantida contra a solidão. Há os que se sentem sozinhos mesmo tendo um parceiro amoroso. Ou seja, vivem uma "solidão acompanhada". Essa sensação também pode acontecer quando se está cercado de amigos, mas sem uma real conexão com eles.


Sem negar que a questão da solidão seja, de fato, um problema (tanto na sociedade como um todo quanto na comunidade LGBTQIA+), seria possível propor um questionamento sobre o sentido da solidão para cada pessoa. Na nossa cultura, ela é tida como negativa e ameaçadora, e representa um fracasso. Assim, o sentido que se dá à solidão pode maximizar o impacto dela na vida das pessoas solitárias: não basta sermos sozinhos; ainda nos sentimos fracassados por causa disso. Ao mesmo tempo, é necessário questionar, também, se o que se considera como solidão é sempre, de fato, solidão. Afinal, ela é medida quantitativa ou qualitativamente? Em outras palavras, alguém pode se considerar solitário de acordo com o número de amigos que tem ou de acordo com a profundidade das suas amizades? Embora nunca ter companhias seja algo ruim, não podemos esquecer que todo ser humano precisa aprender a ser capaz de estar só em alguns momentos – pois ele estará, em muitos sem que isso cause desconforto ou inquietação. Estar na própria companhia pode ser, inclusive, uma experiência rica e gratificante. Algumas pessoas, ao contrário, não aguentam ficar sós porque não se aguentam. Para essas pessoas, importa saber: o que vem à tona quando se está só? Por que estar sozinho incomoda tanto? Reitero que não se trata de uma solidão absoluta, que seria, de fato, problemática. Trata-se da possibilidade de se estar em paz na ausência do outro, cuja presença não é necessária nem possível a todo momento.


Para os homens gays, algumas questões adicionais podem ser colocadas. A sensação de solidão vem por não se encaixar nos ambientes e grupos “mainstream”, ou “padrão”? Se for o caso, a primeira pergunta que precisa ser feita é: é necessário se encaixar? Não existiriam outros grupos (ou relações um-a-um), outras formas de sociabilidade dentro dessa comunidade – ou mesmo fora dela – onde se possa encontrar afinidade e aceitação? Será que todo homem gay não tem escolha a não ser se encaixar nos padrões da cultura mainstream? Quando alguém tenta se moldar a um padrão para se “encaixar”, não há uma perda da individualidade nesse processo? Então, se você precisa deixar de ser você mesmo para ser aceito por um grupo, você quer mesmo – ou precisa – ser aceito nesse grupo? Quanto lhe custa ingressar nele? Muitas outras perguntas são passíveis de serem colocadas, e talvez todas elas possam ser resumidas em uma: se lhe faz mal, por que você fica? Afinal, não é porque há uma pressão social ou padrões que se é refém deles. Por mais desafiador que seja “remar contra a maré”, ninguém precisa compactuar com valores que não correspondem aos seus. Talvez não sobrem muitos amigos, mas provavelmente sobrarão os verdadeiros. Se você se vê às voltas com essas questões, pode ser interessante discuti-la com seus amigos. Conversar a esse respeito com um profissional também pode ajudá-lo a encontrar seu próprio caminho entre a solidão e a companhia. Você está disposto a buscá-lo?

 
 

Thassio Queiroz de Araújo       CRP 01 - 21750        (61) 9633 0368

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