A rotina espartana das redes sociais e seus impactos subjetivos
- Thassio Queiroz
- 9 de out. de 2023
- 4 min de leitura
Atualizado: 7 de jan. de 2024

Qualquer pessoa que tenha redes sociais, principalmente Instagram, provavelmente já foi exposta a um estilo de vida supostamente ideal, ostentado por influencers e celebridades, bem como por algumas pessoas privilegiadas que se orientam pelos mesmos padrões. Além das fotos impecáveis, lugares paradisíacos, eventos badalados, corpos esculturais, itens de luxo e uma aparente felicidade inabalável, há uma dura rotina, mostrada nos “bastidores” (ou como conteúdo principal), que seria a chave para o sucesso. Acordar cedo, meditar, preparar um café da manhã saudável, fazer atividade física, banhos em banheira de gelo, trabalhar duro, manter cuidados estéticos diários (e, ocasionalmente, realizar procedimentos diversos em clínicas), fazer cursos, seguir uma rigorosa dieta alimentar, e, para cumprir tudo isso, renunciar a certos prazeres: eis o dia-a-dia de um influencer. Que, supostamente, poderia facilmente ser o seu dia-a-dia ou de qualquer outra pessoa.
Tudo isso sugere uma disciplina inabalável, digna apenas das pessoas que têm um domínio exemplar sobre seu corpo e sua mente, sendo perfeitamente capazes de tolerar o desprazer e a dor em prol de um objetivo. Mas será que isso é realmente factível? Em primeiro lugar, precisamos considerar que essas atividades e rotina de cuidado custam um tempo e dinheiro que a maioria das pessoas não tem, e exigem uma disposição e motivação difíceis de serem mantidas por muito tempo. A propósito, calcula-se que, se fôssemos cumprir todas as recomendações para uma vida saudável e equilibrada, bem como as obrigações básicas de um adulto, nosso dia precisaria ter muito mais que 24 horas. Em segundo lugar, é sabido que o conteúdo postado em redes sociais, mesmo por pessoas “comuns”, costuma ser cuidadosamente selecionado e, não raro, editado, com a finalidade de transparecer um estilo de vida feliz e bem-sucedido. Ao verem esse tipo de conteúdo sendo postado pelos outros, muitas pessoas se cobram o mesmo padrão de vida e respondem postando coisas semelhantes, o que acaba por estabelecer uma reafirmação recíproca desses códigos. Talvez algumas pessoas realmente mantenham uma rotina assim (mas certamente são uma pequena minoria), porém é necessário questionar em que circunstâncias elas o fazem. É muito provável que não cumpram essa rotina com um sorriso no rosto ou com a mesma disciplina que dizem ter todos os dias. O que aparece é apenas um recorte – um recorte formatado cuidadosamente para aparecer (ou parecer).
O escritor francês Guy Debord publicou, na década de 1960, sua obra mais famosa, A Sociedade do Espetáculo. O conceito de espetáculo, para esse autor, tem diversas facetas, mas costuma ser resumido como a mediação das relações sociais por imagens. Não é difícil deduzir que essa foi uma tendência que só se acentuou desde a publicação dessa obra. Para Debord, na sociedade do espetáculo, há uma crescente degradação do ser em ter, e, em seguida, em parecer. Não importa que uma coisa não seja, contanto que ela pareça. Esse é um dos princípios norteadores das redes sociais hoje. Nelas, o que parece adquire estatuto de realidade, e produz efeitos como se se tratasse de um fato. É por isso que, mesmo estando cientes da falácia das redes sociais, as pessoas continuam se sentindo incomodadas ao se compararem com as vidas supostamente perfeitas que elas testemunham diariamente.
As redes sociais parecem vender a ideia de que um ideal praticamente inatingível é possível. E para qualquer pessoa. Pretendem igualar a todos, como se tivessem as mesmas condições de alcançar esses objetivos, mesmo que os pontos de partida possam ser radicalmente diferentes. Elegem um ideal para ser aquele que deve ser perseguido por todos, não importando suas idiossincrasias. Os únicos requisitos para o sucesso seriam vontade e esforço. E, caso alguém não consiga “chegar lá”, a culpa é única e exclusivamente dessa pessoa, afinal “basta se esforçar um pouco mais”. Um detalhe crucial, mas que é pouco apontado, é que os influencers e celebridades são pagos para terem o estilo de vida que têm, e essa é uma exigência profissional. Para eles, manter uma boa aparência, fazer dieta, praticar atividade física todo dia, e ainda passar uma mensagem de positividade é trabalho. Assim como também faz parte do trabalho deles tentar convencer a sua audiência de que eles podem e devem fazer o mesmo. Pelo simples motivo de que isso vende. Vende os produtos que esses profissionais são pagos para anunciar. Por isso, é, de fato, importante emplacar a ideia de que é possível “chegar lá”, mas talvez o fracasso é que seja mais lucrativo, pois pessoas insatisfeitas tendem a consumir mais. A sociedade de consumo é movida pela perpétua insatisfação dos consumidores.
Não surpreende que as redes sociais sejam uma causa tão significativa de sofrimento na atualidade, como demonstram diversos estudos. Comparação, sentimento de frustração, inferioridade, incompetência, fracasso e depressão são exemplos de reações comuns ao bombardeio diário de imagens editadas de uma suposta felicidade, sem que “o outro lado da história” seja mostrado. Os fracassos, a indisposição, as dificuldades e dores do dia-a-dia de qualquer ser humano. Isso não existe no reino da felicidade absoluta do Instagram. Mas cada um sabe que existe em sua vida real, e pode ser levado a crer que é o único que tem uma vida normal, “não tão interessante”, cheia de falhas. Por isso, devemos questionar os ideais inalcançáveis que são impostos como uma obrigação e acatar a ideia de uma vida mais humana. Afinal, a verdadeira vida acontece fora das redes sociais, e não tem "filtros". Embora exista um impacto generalizado dos ideais das redes sociais sobre os usuários, ele não é universal. Cada pessoa é afetada de forma particular, e as questões que isso suscita podem ser aprofundadas em um processo de terapia. De todo modo, é importante avaliar as reações que o uso das redes sociais causa em si. E vale mencionar que, se nem sempre é possível “não acreditar em tudo que se vê”, pode ser melhor simplesmente não ver.